quinta-feira, 23 de junho de 2011

Tuberculose Óssea com espondilodiscite em L5-S1 - Relato de Caso.

Paciente masculino, 30 anos, bancário, chegou ao consultório com queixa de dor lombar de leve intensidade sem melhora com antinflamatórios e fisioterapia. Exame físico sem grandes alterações. Radiografias da coluna lombar sem alterações. RMN e TC lombar foram feitas e revelaram estas imagens. Observam-se alterações com destruição de parte do corpo vertebral de L5 e S1 e do disco em L5-S1, compatíveis com espondilodiscite. O paciente não tinha sintomas pulmonares, nem era tabagista. Foi solicitado BAAR e encaminhado a infectologista para investigação diagnóstica. Radiografias de tórax sem alterações. BAAR positivo, HIV negativo, sem outros achados na investigação do infectologista. Foi encaminhado a posto de saúde municipal para investigação epidemiológica e para iniciar esquema tríplice com rifampicina, isoniazida e pirazinamida por via oral. Foi encaminhado a especialista em coluna para avaliar biópsia local, mas o mesmo não achou necessário. Teve remissão total da dor após 2 meses. Não retornou mais ao consultório. O que me chamou atenção neste caso foi que o paciente não apresentava nenhuma imunodeficiência, nem histórico de tabagismo. Realmente um caso bastante incomun, principalmente em consultório particular, num paciente com este perfil, morador da zona sul do Rio, sem nenhum perfil epidemiológico. As infecções correspondem a 0.01% dos casos de lombalgia.  Cerca de 10% das tuberculoses são extrapulmonares e , destes, 10% são ósseos. Este caso pode ser considerado ainda mais incomum porque  o sítio mais comum na coluna é na região torácica e este na lombossacra.
 
Obs: paciente atendido na Clínica Ortocentro.

Este caso bastante raro foi um estímulo para discutir o tema LOMBALGIA.
>Definição: LOMBALGIA é um sintoma que é caracterizado por dor entre a 12ª costela e a linha glútear . É uma das queixas mais comuns e,  de acordo com estudos, é a 2ª maior queixa no consultório médico nos EUA. Estima-se que cerca de 85% das pessoas apresentarão este sintoma em algum momento da vida.

> Etiologia: Pode ser específica ou inespecífica. A específica tem relação com doença sistêmica, infecção, trauma, neoplasias e deformidades. Representam de 15% a 20% dos casos. A inespecífica inclui contraturas musculares, fibromialgia, doenças mecanoposturais, discopatias, entre outras.
               As lombalgias mecânicas e inespecíficas representam cerca de 97% das causas. As  causas mecânicas incluem a lombalgia idiopática muscular ( 70% ), degeneração discal e facetária ( 10% ), hérnia de disco ( 4% ), fratura osteoporótica ( 4% ), fratura traumática ( 1% ), dentre outras incomuns ( doenças congênitas, espondilólise, dor discogênica, instabilidade ).
             As lombalgias não-mecânicas incluem as neoplasias ( 0.7% ), infecção ( 0.01% ), doença inflamatória, doença de Scheuermann, doençade Paget. Observe qie a infecção é realmente rara, caso este que, teoricamente se enquadraria no tema principal desta postagem.
                  Outras causas que não se pode esquecer são as doenças viscerais ( 2% ), como em órgão pélvico ( prostatite, doença inflamatória pélvica, endometriose ), doença renal ( nefrolitíase, pielonefrite. abscesso renal ), doença gastrointestinal ( úlcera, pancreatite, colecistite ) e até mesmo o aneurisma de aorta.

> Epidemiologia: na década de 90, nos EUA, estimou-se uma prevalência de cerca de 15 milhões de atendimentos e um custo de aproximadamente US$ 100 bilhões por ano, sendo 75% dos gastos destinados a 5% dos pacientes. Uma pesquisa revelou que 72% dos indivíduos necessitam interromper suas atividades esportivas, 60% suas atividades diárias e 46% têm reflexos na vida sexual.

> Prognóstico: Evolução benigna, geralmente. 80% dos buscam atendimento retornam as atividades normais em 4 a 6 semanas. 10% se recuperam em 12 semanas. Os 10% restantes evoluem para a cronicidade e são estes que geram os problemas de saúde pública.

> Anamnese: investigar 3 aspectos mais importantes; se existe (1)doença sistêmica, (2)alteração neurológica e (3) fator não-orgânico  que possam cronificar o quadro.
                 É importante avaliar fatores de risco, dentre os quais os mais presentes são tabagismo, obesidade, idade avançado, estresse, sexo feminino e gestação, trabalhos braçais, sedentarismo, baixo nível educacional e questões psicológicas como ansiedade e depressão.
                        Foi criada uma linha de abordagem, através de um guia para manejo da dor lombar ( Clinical Guidelines for Management of Acute Low Back Pain, do Royal College of General Practioners ), em 1999, identificando os sintomas perigosos ( "red flags" ou "bandeiras vermelhas" ) e os de risco de cronicidade ( "yellow flags" ou " bandeiras amarelas" ).
                     "Red flags" para neoplasia são história prévia de ca, perda de peso inexplicada, idade maior que 50 anos ou menor que 17 anos, sem melhora com o tratamento, dor persistente pora mais de 4 a 6 semanas e dor noturna ou em repouso. Red flags para infecção são febre persistente, uso de drogas endovenosas, infecção bacteriana persistente, imunossupressão ( uso de corticóides, DM, HIV e transplantados ) e dor em repouso. Para síndrome de cauda eqüina, as "red flags" são incontinência ou retenção urinária, anestesia em sela, diminuição do tônus anal ou incontinência fecal, fraqueza bilateral dos membros inferiores, déficit neurológico progressivo. Para fraturas por osteoporose, os "red flags" incluem uso de corticóide, trauma leve em maiores de 50 anos, idade maior qie 70 anos, história de osteoporose e trauma severo em qualquer idade.
                   "Yellow flags" abrangem fatores físicos, pessoais, psicossociais e comportamentais. A ansiedade e a depressão configuram aspectos importantese na cronicidade da lombalgia merecem atenção especial.
                           Deve-se também atentar para sintomas de irradiação posterior para os membros inferiores como dor neuropática, relacionada com hérnia discal. Dor associada a movimentos como levantar de uma cadeira ou acordar na região do membro inferior ( panturrilha ), com alívio no repouso e flexão do tronco tem correlação com estenose do canal vertebral. Incontinência urinária e/ou fecal associada à anestesia em sela e fraqueza dos membros inferiores relaciona-se com síndrome da cauda eqüina.

>Exame Físico: atentar para inspeção e postura, arco de movimento (flexo-extensão, lateralização e rotação), palpação, elevação do membro inferior (teste de Lasègue), exame neurológico e avaliação geral. O teste de Lasègue é feito com o membro inferior com joelho em extensão , sendo positivo quando há dor entre 10º e 60º, sendo altamente indicative de hérnia de disco
                  Na avalição neurológica, atenção especial nas raízes L5 e S1, a mais acometida.
O Teste de Wadell foi elaborada para avaliar causas não-orgânicas, sendo indicativo na positividade de 3 em 5 dos testes, que são: (1) dor ao toque superficial, (2) Lasègue positivo em supino e negativo sentado, (3) reação exagerada do paciente no exame físico, (4) falta de correlação dos dermátomos na avaliação sensorial e (5) dor relatada na região lombar quando examinado outro segmento.

> Exames laboratoriais: hemograma, VHS e PCR são importantes na avalição de infecções e neoplasias, EAS em patologias urinárias. Avaliar provas reumáticas são importantes, quando indicadas para doenças reumáticas e, na suspeita de mieloma múltiplo, pedir eletroforese de proteínas urinárias e séricas.

> Radiologia: mais de 90% dos casos melhoram em 4 semanas, sendo dispensável exames de imagens. O Colégio Americano de Radiologia indica 10 critérios para investigação com imagens, sendo eles: (1) trauma recente significativo ou leve em maiores de 50 anos, (2) perda de peso inexplicada, (3) febre inexplicada, (4) imunossupressão, (5) história de ca, (6) uso de droga intravenosa, (7) osteoporose, (8) idade superior a 70 anos, (9) déficit neurológico progressivo ou incapacidade e (10) lombalgia por mais de 6 semanas.
                     Seguindo estes critérios, pode se solicitar inicilamente radiografias em AP  perfil, tendo 60% de sensibilidade e 95% de especificidade em neoplasias e  82% de sensibilidade e 57% de especificidade em infecções.
                  A RMN ( ressonância magnética nuclear ) é o melhor exame de imagem para investigar lombalgia com alta sensibilidade e especificidade, chegando a 96% e 92%, respectivamente na espondilodiscite e 93% e 97% em metástases ósseas.
               A TC é superior a RMN em patologias ósseas como articulação sacro-ilíaca, fraturas, espondilólise, espondilolistese, pós-operatório de artrodese e anomalias congênitas.
                   A Eletroneuromiografia auxilia bastante em radiculopatias com pouca correlação entre os achados clínicos e as imagens.
        A Cintilografia auxilia nas infecções e neoplasias, mas não são superiores á RMN.
                      A Mielografia, Mielotomografia e Discografia são exames poucos usados por serem invasivos e por termos melhores métodos, como a RMN.
                     É importante desmistificar, com o paciente, a necessidade de se fazer os exames de imagens em todos os casos, pois  o quadro melhora na quase totalidade. Menos de 1% apresentam infecão, neoplasias ou síndrome da cauda eqüina. Muitos dos exames podem levar a indicações cirúrgicas desnecessárias. Os exames de imagem mostram alterações em pacientes assintomáticos. Alguns estudos revelam alterações discais degenerativas em 22% a 40% de adultos assintomáticos.

> Tratamento: na lombalgia aguda, o acetaminofeno (paracetamol) é o tratamento inicial de escolha. AINEs como o ibuprofeno são uma boa opção para o insucesso do paracetamol. Os realaxantes musculares e opióides não apresentam eficácia superior aos analgégicos e AINEs. O retorno progressivo às atividades físicas deve ser estimulado assim que ocorra a melhora sintomática. O fortalecimento, os exercícios físicos de impacto e a reeducação postural (RPG) devem ser evitados na fase aguda.
                 Na lombalgia subaguda ( mais de 4 semanas ), utilizar mais a fisioterapia com analgesia, mobilização, alongamento e fortalecimento graduais. O RPG também é muito útil nesta fase.
                  Na lombalgia crônica, quanto maior o tempo de sintomatologia, menor a chance de recuperação, sendo que, após 6 meses, o retorno às ativiades é de 40% a 55% e, após 2 anos, é  praticamente nulo.
                        O tratamento conservador também pode ser realizado com auxílio, em casos selecionados, de antidepressivos tricíclicos, relaxantes musculares, benzodiazepínicos, antiepiléticos como a gabapentina e até mesmo opióides.
                     Outras modalidades conservadoras são a ioga, terapia manual (quiropraxia), massagem e acupuntura.
                     As medidas invasivas não-cirúrgicas incluem  a infiltração epidural de glicocorticóide, infiltração intradiscal, infiltração local nos pontos de gatilho- "trigger" e "tender" "points"- nas fibromialgias, com bons resultados na analgesia. Métodos de quimionucleólise ( infiltração de quimiopapaína no espaço intradiscal ) e eletrotermia e radiofrequência com termocoagulação e denervação nas raízes nervosas discais.
O tratamento cirúrgico se aplica numa grande minoria dos casos de lombalgia crônica e, na ausência de déficit neurológico progressico e síndrome da cauda eqüina,  se justificam mais na melhora da qualidade de vida e casos refratários aos outros métodos. Incluem a artrodese ( fusão articular intervertebral ) e artroplastia ( vertebroplastia ).
                           Aqui vai uma consideração pessoal: acredito na insistência no tratamento conservador. A grande maioriodos a "massacrante" dos pacientes evoluiu bem sem métodos invasivos ou cirúrgicos. A maioria dos pacientes, mesmo aqueles crônicos acabam ficando bem sem operar. É importante trabalhar a "cabeça" do paciente a mudar seu estilo de vida, principalmente no tocante a atividade física. Quando se esgotam as possibilidades conservadoras, encaminho a especialista em coluna vertebral e, frequentemente, o próprio especialista em coluna, não indica a cirurgia. Dá mais trabalho e menos proventos insistir em atividades físicas, mas, certamente, o benefício ao paciente, inclusive em qualidade de vida, é superior.






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